- INTRODUÇÃO
Proveniente do mercado de frutos do mar da megalópole de Wuhan (a sétima cidade mais populosa da China, com cerca de 11 milhões de habitantes), inicialmente diagnosticada como uma misteriosa pneumonia, a mais recente doença respiratória aguda, descrita pela primeira vez no final de 2019 já se alastrou pelo mundo em meados de janeiro deste ano e vem dando o que falar nos noticiários.
A COVID-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2 (da família dos coronavírus), ataca prioritariamente idosos e pessoas de quadro clínico frágil, tendo contaminado aproximadamente 380.000 (trezentos e oitenta mil) pessoas e vitimado cerca de 16.500 (dezesseis mil e quinhentas)[1] pessoas até a confecção deste trabalho.
Registrado em 25 de fevereiro[2], o primeiro caso de contaminação no Brasil foi um brasileiro residente em São Paulo, recém-chegado da Itália (país mais afetado pela doença). O teste positivo foi primeiramente realizado pelo Hospital Israelita Albert Einstein e a contraprova foi feita pelo Instituto Adolfo Lutz.
Atingindo a marca de 34 mortes e 1.891 casos confirmados em 23 de março, segundo o Ministério da Saúde[3], a COVID-19 se posta como grave ameaça ao sistema de saúde, colocando à prova a capacidade do país de lidar com uma crise que já assola potências como Estados Unidos e países da Europa ocidental.
Após a chegada da doença no Brasil, governadores de todos os estados e do Distrito Federal têm editado medidas e decretos como forma de minimizar os efeitos causados pelo alto poder de contágio da doença.
Tais medidas visam o isolamento social da população mediante a paralisação de serviços considerados não essenciais ao funcionamento de uma sociedade, determinando o fechamento de shoppings, clubes, academias, bares, restaurantes, teatros, dentre outros.
Como era de se esperar, a suspensão do funcionamento de inúmeros estabelecimentos comerciais vem causando sérios impactos na economia local e nacional. Visando amenizar os prejuízos, o ministro Paulo Guedes anunciou, em 16 de março, uma injeção de até R$ 147,3 bilhões na economia nos próximos três meses para amenizar o impacto do coronavírus sobre a economia e o sistema de saúde.
De acordo com o ministro, até R$ 83,4 bilhões serão aplicados em ações para a população mais vulnerável, até R$ 59,4 bilhões para a manutenção de empregos e pelo menos R$ 4,5 bilhões para o combate direto à pandemia.[4]
Agora os olhares se voltam também para as relações trabalhistas. Em meio uma iminente crise socioeconômica, como proceder diante de situação tão adversa? Inúmeras dúvidas surgem tanto para empregadores como para empregados, afinal de contas, não há como pagar salários e benefícios se o dinheiro parou de entrar.
Na tentativa de formalizar e direcionar diretrizes no meio trabalhista, preservar postos de trabalho e direitos dos empregados sem um custo que prejudicasse as empresas, o presidente da República, Jair Bolsonaro, editou a Medida Provisória de número 927 em 22 de março de 2020.
- OS IMPACTOS DA COVID-19 NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
O impacto inicial mais sentido dentre todos os efeitos gerados pela COVID-19 foi o do isolamento/quarentena, principalmente após a publicação da Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, a qual dispõe sobre medidas a serem adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública.
Com fins informativos, a própria Lei conceitua os termos isolamento e quarentena[5]:
Isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus;
Quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
Em seu artigo 3º, a Lei ainda trata sobre a possibilidade de autoridades podendo adotar medidas tais como o isolamento e a quarentena para inviabilizar a contaminação comunitária pelo SARS-CoV-2.
Com a provável e iminente separação e isolamento do ambiente de trabalho levantada pela Lei nº 13.979, medidas surgiram para evitar a aglomeração de pessoas que não impactassem de forma significativa na produção dos empregados.
Algumas das medidas mais adotadas pelas empresas foram: trabalho na modalidade home office ou teletrabalho; interrupção do contrato de trabalho; concessão de férias coletivas; redução de jornada de trabalho e de salários; adoção do banco de horas.
Todas essas possibilidades, entretanto, foram severamente alteradas pela Medida Provisória n.º 927 de 22 de março de 2020.
- MEDIDA PROVISÓRIA N.º 927 DE 22 DE MARÇO DE 2020
Medida editada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, na noite do dia 22 de março de 2020, com o intuito de flexibilizar algumas regras anteriormente previstas na legislação trabalhista, observando o necessário para atravessar o período de crise sem excessiva descapitalização de empregador ou empregado.
Parte do conjunto de ações do governo federal para combater os efeitos econômicos da pandemia da COVID-19, a MP 927/2020 veio para regulamentar de forma mais objetiva, práticas mais comuns utilizadas em períodos de recessão.
A ideia não é exaurir todas as informações constantes na MP n. 927/2020, mas trazer os aspectos mais importantes e que mais impactarão, de forma imediata, nas relações trabalhistas.
Ressaltando que não será tratada a possiblidade de suspensão do contrato de trabalho por quatro meses para qualificação do empregado, vez que tal faculdade foi revogada pela Medida Provisória n.º 928 de 23 de março de 2020[6].
Inicialmente, cumpre informar acerca da vigência da Medida, a qual entra em vigor na data de sua publicação (22 de março de 2020) e será aplicada durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6, de 2020, até 31 de dezembro de 2020[7].
Outro ponto bastante interessante é a possibilidade de negociação individual para permanência no emprego, que é basicamente a celebração de um acordo individual escrito entre empregado e empregador com o intuito de garantir a permanência do vínculo empregatício. Tal acordo terá preponderância sobre qualquer outro instrumento normativo, legal ou negocial, desde que respeitado o constante da Constituição.
Alguns pontos que não poderão ser negociados por estarem em confronto com a Constituição:
- Limite de jornada diária e semanal;
- Jornada especial para os turnos ininterruptos;
- Acréscimo de 1/3 constitucional da remuneração das férias;
- Redução salarial (necessidade de negociação coletiva).
A Medida ainda estabelece um rol exemplificativo de medidas que poderão ser tomadas para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda muito semelhantes ao que já era feito antes, mas agora com afrouxamento de requisitos:
- Teletrabalho ou home office;
- Antecipação de férias individuais;
- Concessão de férias coletivas;
- Aproveitamento e antecipação de feriados;
- Banco de horas;
- Suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde;
- Diferimento do recolhimento do FGTS.
Agora, passamos a tratar de cada um deles de forma mais didática e de fácil entendimento.
- TELETRABALHO OU HOME OFFICE
Considera-se teletrabalho ou home office a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação.
Para formalização de teletrabalho ou home office, é necessário observar algumas questões, tais como:
- O empregador pode, a seu critério, determinar, unilateralmente, que os empregados passem a laborar em regime de teletrabalho ou home office – diferente da previsão da CLT que exige o consentimento do empregado;
- Não é necessário o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho e não é necessário acordo coletivo – diferente da previsão da CLT que exige o registro;
- Empregador deve notificar o empregado da alteração do regime com antecedência mínima de 48 horas – diferente da previsão da CLT que em determinadas situações exige prazo de 15 dias;
- O equipamento utilizado para o teletrabalho ou home office será disponibilizado pelo empregador, caso o empregado não possua;
- O empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura;
- Caso o empregador não possua meios de fornecer os equipamentos necessários à troca de regime, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador;
- Os estagiários e aprendizes estão abarcados nesta hipótese de teletrabalho.
- ANTECIPAÇÃO DE FÉRIAS INDIVIDUAIS
Assim como na possibilidade de alternar para o regime de teletrabalho ou home office, a antecipação de férias individuais também sofreu várias alterações pela MP 927/2020. Vejamos:
- Empregador deverá notificar o empregado da concessão de férias com antecedência mínima de 48 horas, por meio escrito ou eletrônico, constando o período a ser gozado – diferente da previsão da CLT que exige prazo de 30 dias e necessariamente comunicado por escrito;
- As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a 5 (cinco) dias corridos;
- As férias poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido;
- É possível a antecipação de períodos futuros de férias, mas com a necessidade de um acordo individual escrito com o empregado;
- Deverá ser priorizada a concessão de férias para aqueles empregados que estejam no grupo de risco da COVID-19;
- O pagamento do terço constitucional poderá ocorrer em momento posterior, desde que seja até 20 de dezembro deste ano;
- A remuneração das férias poderá ser efetuada até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias.
- CONCESSÃO DE FÉRIAS COLETIVAS
Seguindo as faculdades anteriores, a MP 927/2020 também flexibilizou a concessão de férias coletivas, passando a viger da seguinte forma:
- Empregador deverá notificar o conjunto de empregados da concessão de férias coletivas com antecedência mínima de 48 horas – diferente da previsão da CLT que exige prazo de 15 dias;
- Ficam dispensadas a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional – diferente da previsão da CLT que exige tais comunicações;
- Permitida a concessão de períodos de férias com duração inferior a 10 (dez) dias corridos – diferente da previsão da CLT que proíbe a concessão de férias coletivas em períodos inferiores a 10 (dez) dias;
- Permitida a concessão mais de 2 (dois) períodos de férias coletivas ao ano – diferente da previsão da CLT que estabelece 2 (dois) como sendo a quantidade máxima de períodos por ano.
- APROVEITAMENTO E ANTECIPAÇÃO DE FERIADOS
A MP 927 também permitiu ao empregador antecipar unilateralmente o gozo de feriados, especialmente aqueles não religiosos. Vejamos:
- Fica permitida a antecipação do gozo de feriados não religiosos federais, estaduais, distritais e municipais;
- Empregador deverá notificar o conjunto de empregados beneficiados com antecedência mínima de 48 horas, por meio escrito ou eletrônico, constando indicação expressa dos feriados aproveitados;
- A antecipação pode ser utilizada para fins de compensação futura do saldo em banco de horas;
- O aproveitamento e antecipação de feriados religiosos dependerá de concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.
- BANCO DE HORAS
A MP 927/2020 autorizou o estabelecimento de banco de horas, de sorte que o empregado receberia sua remuneração normal nas próximas semanas, embora deixasse de trabalhar. Após a normalização da situação, ele prestaria horas extras, sem receber por elas.
Vejamos quais os requisitos para implementação dessa medida:
- Fica autorizada a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas;
- Fica autorizada a compensação por até 18 (dezoito) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública – diferente da previsão da CLT que limita o banco de horas a 12 (doze);
- Fica autorizada a compensação desde que seja realizada por meio de acordo coletivo ou individual formal (por escrito) – diferente da previsão da CLT que exige acordo coletivo para bancos de horas com mais de 6 (seis) meses;
- Fica autorizada a compensação mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.
- SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE
A MP 927/2020 suspendeu a obrigatoriedade de realização dos exames médicos ocupacionais, exceto dos exames demissionais. Vejamos:
- Fica suspensa a realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares enquanto durar o estado de calamidade pública, devendo ser realizados em até 60 (sessenta) dias após o término da calamidade pública;
- Exames demissionais continuam obrigatórios, só podendo ser dispensados caso o exame médico ocupacional mais recente tenha sido realizado há menos de 180 (cento e oitenta) dias;
- Durante o estado de calamidade pública fica suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, podendo ser realizados na modalidade de ensino a distância;
- Os treinamentos periódicos suspensos deverão ser realizados em até 90 (noventa) dias, contados do fim do estado de calamidade pública;
- Ficam mantidas as comissões internas de prevenção de acidentes, mas ficam suspensos os processos eleitorais em curso.
- DIFERIMENTO DO RECOLHIMENTO DO FGTS
Acerca do recolhimento do FGTS, assim trata a MP 927/2020:
- Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente;
- Benefício independe do número de empregados, regime de tributação, natureza jurídica, ramo de atividade econômica ou de prévia adesão;
- Os valores poderão ser pagos de forma parcelada, em até 6 (seis) vezes, sem incidência de atualização, multa e demais encargos, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho de 2020;
- Para usufruir de tais prerrogativas, o empregador fica obrigado a declarar as informações até dia 20 de junho de 2020 à Secretaria da Receita Federal do Brasil e ao Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
- Em caso de rescisão do contrato de trabalho, o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos, caso seja pago dentro do prazo legal estabelecido;
- Caso não sejam adimplidas, as parcelas estarão sujeitas à multa e aos encargos devidos;
- Fica suspensa contagem do prazo prescricional dos débitos relativos a contribuições do FGTS pelo prazo de (cento e vinte) dias, contado da data de entrada em vigor da MP;
- Fica suspenso por 180 (cento e oitenta) dias o prazo ara apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS.
- DEMAIS DISPOSIÇÕES
Para finalizar a discussão acerca da Medida Provisória n.º 927/2020, seguem outras disposições também tratadas no documento:
- Em os casos de contaminação pela COVID-19, não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal;
- Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo;
- Durante o período de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:
- Falta de registro de empregado, a partir de denúncias;
- Situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;
- Ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente;
- Trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.
- O abono anual devido ao segurado e ao dependente da Previdência Social que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão será pago da seguinte forma:
- A primeira parcela corresponderá a cinquenta por cento do valor do benefício devido no mês de abril e será paga juntamente com os benefícios dessa competência;
- A segunda parcela corresponderá à diferença entre o valor total do abono anual e o valor da parcela antecipada e será paga juntamente com os benefícios da competência maio.
- O Na hipótese de cessação programada do benefício prevista antes de 31 de dezembro de 2020, será pago o valor proporcional do abono anual ao beneficiário;
- Sempre que ocorrer a cessação do benefício antes da data programada, para os benefícios temporários, ou antes de 31 de dezembro de 2020, para os benefícios permanentes, deverá ser providenciado o encontro de contas entre o valor pago ao beneficiário e o efetivamente devido.
[1] https://www.worldometers.info/coronavirus/
[2] https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46435-brasil-confirma-primeiro-caso-de-novo-coronavirus
[3] https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46589-coronavirus-34-mortes-e-1-891-casos-confirmados
[4] https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-03/guedes-anuncia-R147bi-em-medidas-emergenciais-contra-coronavirus
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L13979.htm
[6] Art. 2º Fica revogado o art. 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020.
[7] Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.